7 de out. de 2014

Epitáfio


O prêmio
por não sofrer:
não saber
quando perde
ou ganha,

coração
que não bate
em vida
quando morre
apanha.


Thuan Carvalho.

28 de ago. de 2014

Papéis In versos

O mundo é uma caixa de surpresas, Maria,
e hoje seremos escritos
pela impiedosa pena da poesia,
A água há de nos beber a fronte
insaciável; e então
nossos traços serão linhas do horizonte.

De tanto bater cabeças
o fogo nos acenderá
e assim, glutão, há de nos ver queimar,
A terra, quente e macia
se enterrará em nós
e de ventar seremos grãos a sós.

Seremos, incontestáveis,
melhores amigos do homem
pois que pra ser assim só sendo avesso,
Os pássaros nos alimentarão
se acaso em assobio chamem
e isso, ó Maria, é só o começo!

Prender-nos-ão numa gaiola
[pra que cantemos, não se esqueça]
famílias e famílias de canários,
enquanto árvores navalham
de nosso tronco até a cabeça
a sorte de seus corações involuntários.



Thuan Carvalho.

25 de ago. de 2014

Iluminescência

A primeira luz da manhã
escreve teu nome
com letras douradas
nas varandas, nas sacadas
em mim.

A primeira luz da noite
reflete teu corpo
em raios de prata
feito valsa, serenata
em nós.

A terceira
que é fruto
do teu gemido

Ilumina
o mundo inteiro
de ouvido.


Thuan Carvalho.

Arte: Niko Guido

14 de ago. de 2014

Toda Olvido

Escuta o passado
o som do chicote
a pressa no trote
de quem, a pinote
me fez de mascote
e tentou me domar,

Escuta calado
o olho no olho
sem dente por dente
cavalo de raça,
não vou achar graça
se o som te chocar,

Aceita o presente
meu tão dolorido
contuso, ferido
meu leso gemido
que do meu ouvido
eu quero olvidar.


Thuan Carvalho

*arte: Giuseppe Mastromatteo

28 de jul. de 2014

Carta para Isabel.

Querida Isabel,

Nos conhecemos faz tanto tempo e você nem mesmo sabe meu nome completo. Desde pequena sigo teus passos, tua alegria inabalável, tua mania besta de tocar em tudo e fazer surgirem cores nos dias nublados.

Eu te segui, Isabel.

No dia em que você mais precisou, no hospital, observei tua dor da janela entreaberta e por pouco, por muito pouco, não invadi o quarto e te levei comigo. Mas você abriu os olhos e aquela cor indefinível que sempre me assustou recuou minhas intenções e, mais uma vez, adiei nosso encontro.

Sim, eu sabia que seria para sempre.

Tua liberdade me acovardou, e eu sabia que se te prendesse em minha idolatria iria acabar por exterminar em ti o que mais tens de radiante: a arte. 

O movimento de tuas coxas quando danças, Isabel...
A delicadeza de teus dedos quando escreves, Isabel...
A maciez de tua voz quando cantas, Isabel...

E foi por isso, por respeito à arte que carregas no sorriso, foi por isso que adiei nosso encontro. Eu, tão pequeno em criatividade e tão miserável em ousadia, sabia que mais cedo ou mais tarde drenaria toda a magia que emana de ti e acabaria por tornar miserável nossa rotina.

Eu te tornaria rotina, Isabel!
Tu que és o avesso do lado de dentro da alma dos tigres, o inverso do lado de fora do olho dos furacões; tu, a inconstância que caminha!

Humilde de pretensões mas fiel ao destino, degustei de longe cada vitória e cada derrota de tua vida, ciente de que sem ti eu seria ruína, mas que em ti ruiríamos os dois.
Hoje, véspera de tuas setenta admiráveis voltas em torno do Sol, venho finalmente dizer que amanhã me verás.

Não sou belo, não sou criativo, não sou atraente e tampouco jovial, mas garanto que amarei cada pedaço iluminado de teu corpo e guardarei comigo o compasso acelerado de seu coração, Isabel, quando da iminência de me veres e ele nunca mais voltar a bater.

Com amor,
Morte.



Thuan Carvalho.

17 de jul. de 2014

Ordem Pública


Celebra tua esperança provisória
para que a corroa, lento e insaciável
o doce veneno das aranhas,
Grita tua alegria ilusória
para que os cães, julgando intolerável
arranquem dela aos dentes as entranhas,


Ilumina tua desnecessária presença
para que os seres atraídos por doença
se amontoem sobre tua carne fraca,
Divulga tua vitória não vencida
para que as moscas, ao verem a ferida
proliferem-se de tua felicidade opaca,

Ah, carência inoportuna
viver já não preenche tua lacuna?

Ah, mergulho no vazio
não é de afago que precisas...
é de cio.


Thuan Carvalho.

15 de jun. de 2014

Infânsia

Se ouço ao longe o canto do galo
ou sinto por perto o cheiro do verde
meus olhos se fecham como que num estalo
e vem a memória matar minha sede,

Sede dos dias que tinham mais horas
sede das coisas pulsando paixão
de me pintar no rubro das amoras
me transfigurar feito camaleão,

Desculpe, seu galo, a ignorância
mas se você canta e eu me lembro da infância
tomo o galinheiro que outrora era seu,

Subo em seu poleiro e estufo a garganta
porque no poleiro da infância quem canta
sou eu.


Thuan Carvalho.

21 de mai. de 2014

Descoberta


Aceitei o chamado, afinal
daquele formoso pardal
que há tempos tenta me avocar,
Tal som penetrou-me as veias
e julgo que nem as sereias
trariam mais doce cantar;

Foi como o despertar d’um sonho
em que teu espelho medonho
amarra-te a certa batalha,
E se não consegues sair
a imagem desata a sorrir
de tua baldia mortalha;

Todo e qualquer peso larguei
por sobre mim mesmo voei
tão leve quanto pude ser,
Então o que vi vim contar:
poesias em todo lugar
prontas para eu escrever!

Essa esclarecedora ocasião
fez com que, ao conversar com o coração
eu ouvisse o que a vida quer, enfim;
E ao notar o meu próximo passo
não ouça o barulho que faço
observe o que emana de mim.
Thuan Carvalho.

24 de abr. de 2014

Pecados Capitais: VII - Soberba


"Da soberba só resulta a contenda, mas com os que se aconselham se acha a sabedoria."

Soberba, orgulho, arrogância,
pecas tanto, de forma variada
Mas se enfrentas qualquer discordância
reages d`uma forma: enervada;

Só aos próprios olhos és um douto
gabas inda ser superior,
Jamais anseias auxílio do “outro”
e errar causa teu imenso indispor;

E de na mesma tecla só bater
tua ignorância então fazes valer
em detrimento do que faz sentido,

És superior a ti, enquanto dormes
mas apesar dos saberes enormes
Parece a todos que não tens ouvido.


Thuan Carvalho.
 

22 de abr. de 2014

Pecados Capitais: VI - Preguiça


"Preguiçoso, até quando você vai ficar deitado? Quando vai se levantar? Então o preguiçoso diz: 'Eu vou dormir somente um pouquinho, vou cruzar os braços e descansar mais um pouco'. Mas, enquanto dorme, a pobreza o atacará como um ladrão armado”

Da bíblia a Baudelaire trovada
engancha-te a todos, sem discrição,
Mas dos momentos em que és mais pecada
o pior vem depois da refeição;

Transformas qualquer ânimo em indolência
e a teu arauto dás sempre uma escusa,
Aos varões trazes vã abstinência
e dos desocupados és a musa;

Difícil é resistir ao teu encanto
fácil pois é aguardar enquanto
deitado, vê-se a vida acontecer,

E quanto mais esplêndido é o berço
mais plausível que adies o começo
pra veres o desvelo fenecer.


Thuan Carvalho.

21 de abr. de 2014

Pecados Capitais: V - Inveja


O ânimo sereno é a vida do corpo, mas a inveja é a podridão dos ossos”

Pecado primeiro do vizinho
que célebre comentário não perde,
ao ver por cima de seu cercadinho
que qualquer outra grama tem mais verde;

Por ti vem à tona todo defeito
vendando todo ser quanto à virtude
teu portador está sempre insatisfeito
e viverá na eterna incompletude;

Se “Os Lusíadas” se encerrou contigo
Camões viu pois em ti um inimigo
n`altura do que a Musa antiga canta,

já que ao tornar quem peca insaciável
demonstras teu anseio deplorável
naquele em quem tua falta se alevanta.



Thuan Carvalho.

15 de abr. de 2014

Pecados Capitais: IV - Ira


"...todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus”

Não há ser mais temido
dentre todos que se mira
do que aquele possuído
pelos caprichos da ira,

O ódio em fogo os consome,
o corpo todo estremece,
E a paz passa a ter outro nome
que o irado então desconhece,

Há que se infiltrar, pois, na alma
em busca da fenda, do trauma
que desata em si o rancor,

Ou cairá sempre em desgraça
aquele que a cólera abraça
e passa a aceitar seu louvor.


Thuan Carvalho.

14 de abr. de 2014

Pecados Capitais: III - Luxúria


"Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que outrora pecaram e não se arrependeram da impureza, prostituição e lascívia que cometeram"

É, pois, pecado mais original
que o homem é capaz de cometer,
Sucumbindo a qualquer valor carnal
pra se deleitar pelo prazer,

Um só que não resista à tentação
pecou por todo o resto de sua vida,
Carregará a síndrome de Adão
e de Eva a cada nova recaída,

O espírito, se vencido pelo sexo
trará consigo fardo assaz complexo
de nunca mais em si permanecer;

De seus prazeres jamais dará cabo
e viverá a contento do Diabo
pra que teu corpo volte a corromper.


Thuan Carvalho.

11 de abr. de 2014

Pecados Capitais: II - Avareza


“Então lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui."

Ter e mais ter
eis a questão
que extrai do avarento
o bom coração;

É o mundo moderno
traduzido em pecado,
crendo ser mais eterno
o que fica guardado

E se de tua riqueza outro precisa
demonstras que a fez sacerdotiza
e guarda o que a todos vai faltar;

Mal sabes que de todo teu acúmulo
carregarás contigo para o túmulo
apenas a porção da qual negar.


Thuan Carvalho

8 de abr. de 2014

Pecados Capitais: I - Gula


“Não estejas entre os bebedores de vinho, nem entre os comilões de carne. Porque o beberrão e o comilão caem em pobreza; e a sonolência vestirá de trapos o homem”

Ah, indelével prazer
o doce, o amargo, não importa,
teu vício atinge todo ser
que se alimenta de fome já morta;

Transmutas em vil desatino
da carne essa necessidade,
és tal qual faminto menino
de olho maior que a vontade;

Mas se acaso repreendida
pela fartura da comida
ficas a te refugiar,

Alegas ser sobremesa
e aproveita-te da crueza
do corpo que irás tragar.


Thuan Carvalho

26 de mar. de 2014

De Todos os Amores


Dentre as mais belas cores
de todos os amores
um novo me apetece,
É o ser qu'inda não veio
e virá, pois, do meio
d'um Amor que não adormece;

Em tua mais pura forma
de pouco se transforma
no mais belo estandarte,
E qual distinto raio
 atinge de soslaio
toda intensa parte;

Se dentro de uma flor
semeia-se outro Amor
não haverá mais fim...
De todos os amores
nenhum terá tais cores
quais que nosso jardim.


Thuan B. Carvalho

14 de fev. de 2014

Parto.


Se o que nasce, antes, fertiliza
De puro amor o corpo, elo sagrado,
Também o verbo – cru – se mimetiza
Pra d'um sincero amor ser deflagrado;

A mãe de toda prosa é a inspiração
Fazendo amor com o tempo a semear,
E o pai, espírito a guiar a mão
Daquele destinado a prosear;


O mais belo mistério, pois, em vida
É ser todo poema oriundo
De um sentimento eterno que engravida,

Cabe ao poeta então, em euforia
Acaso acorde grávido do mundo
Das madrugadas parir poesia.


Thuan Carvalho.

12 de jan. de 2014

Dia.


Manhã

Eu, se Sol, debatia mas não me punha
Pra não ter – pra te ver! - qu`esperar o raiar da manhã
O Amor – sem pudor – vestiria minha eterna alcunha
A viver de acordar pra olhar teu olhar de hortelã.


Tarde

Meu peito adulto , moleque sem jeito 
Quando dá defeito – ser meio covarde,
Tua Luz se apresenta e lhe torna perfeito
E ao nublar-se o dia é teu Sol que me arde.


Noite

Se o negro do Céu é ausência de cor
Se um Céu sem o Sol é do ser um açoite
Quem explica o poder a emanar, meu amor
Dos teus olhos de estrelas, de Lua e de noite?

- Thuan Carvalho.
a P.