9 de ago. de 2010

Sobre as falhas



Olhou para trás, sentindo o corpo todo tremer, mas não parou de andar. Cristine acordara com a sensação de estar sendo seguida, e desde quando colocara os pés para fora de casa, até o atual momento, a sensação não lhe abandonara. Levantou-se sonolenta naquela quarta-feira morna de primavera sul-americana, abrindo as cortinas de seu conjugado e deixando a luz finalmente desvendar o ambiente. O quarto tinha uma pintura branca, cortinas verdes com black-out, uma mesa grande e uma pequena, todas de um marrom bem claro, e a cama do mesmo material, forrada com um lençol azul escuro com listras brancas. Dois quadros Monet decoravam o ambiente, e dois guardanapos usados ao lado do notebook sugeriam a rotina da garota. Trabalhava muito e comia mal. Cristine acordou normalmente, vestiu-se e foi trabalhar. Ao caminhar pela calçada, não notou uma viga que caiu 9 segundos após ela passar por uma construção. E aquela sensação de estar sendo seguida que não sumia. Das dezenove vezes nas quais atravessara a rua no dia, em quatorze delas sofrera buzinadas e raspões dos carros, que pareciam mais apressados naquele dia. E invariavelmente olhava para trás. Várias pessoas na rua olhavam para onde Cristine olhava, pensando que a garota via alguma coisa, e alguns começaram a rir-se da situação dela. Estava totalmente paranóica. Dois cães avançaram nela, e na fuga, a garota escapou por pouco de um ciclista desgovernado que pedia desculpas pelo seu péssimo freio. Como podia aquela sensação perdurar até mesmo dentro do banco? Encontrava-se na fila para pagar suas contas, e reparava em todos os cantos, mas ninguém parecia estar se importando com ela. Ninguém prestava-lhe atenção, então como estava sendo seguida? Pagou suas contas e saiu. Parou num café, e por pouco não tomou o chá de mel do rapaz ao lado, substância essa que causava uma alergia quase letal na garota. Cristine suou frio, quando andava, naquela hora, ainda olhando para trás, e pensava em seu dia. Quase chegava a olhar se havia um alvo pintado em suas costas. O corpo tremia, involuntariamente. Mas conseguiu. Quase pisou num prego enferrujado com as botas ao chegar em casa, mas desviou em tempos, abriu a porta da residência e entrou rapidamente, deixando aquela sensação para trás finalmente. Tomou um banho demorado, comeu alguma coisa, desligou o notebook e deitou-se para dormir.




Já dormindo, teve um ataque cardíaco fulminante e morreu. Levantou-se Alma, deixando o corpo deitado imóvel na cama. Sua confusão durou pouco, e ela logo entendeu que havia morrido. Chorou copiosamente, e foi sorte não poder arrancar os cabelos de sua alma. Onde estava a justiça da vida? A vida falhara com ela. 27 ANOS! Por que ela? Por que?

E bastou um olhar para aquela que a seguia durante todo o dia para que fosse respondida. Aquela velhinha com um capuz preto e uma foice estava sentada ao seu lado, e seus olhos de jabuticaba divertidos traziam uma mensagem nem tão legal quanto real.

A morte, essa sim; tarda, mas não falha.”



Thuan B. Carvalho