26 de jan. de 2010

Num restaurante, 15/06, 21h35min.




Ele sorri, demonstrando timidez. Ela sabe que aquela timidez é apenas máscara, escondendo qualquer outra coisa que seja. Passou um bom tempo tentando decifrar essa "outra coisa", mas já tinha concordado com a conclusão de que o homem que se encontrava em sua frente era um mistério sem pistas, aquilo que não se entende, claridade sem luz.


- Se a lua nascesse mulher, ela teria o brilho dos seus olhos..


Ela olhou para os dois lados, enquanto um leve assopro percorria seu corpo fazendo-a estremecer. Ela sentiu frio. Ele sentia calor.


Não pôde conter o sorriso, pois mesmo que aquelas palavras soassem como a cantada mais usada nos últimos dez anos, ouvidas da boca dele elas pareciam melhores..ele sabia lidar com as palavras, o cretino.


- Você não tem vergonha? Disparou ela, levando a taça de vinho à boca, ainda sorrindo pela cantada lisonjeira. - Eu sei o que você é. Acusou em tom de superioridade.


E realmente sabia. Sabia e tinha medo.


- Sabe, é? Ele olhava. E ela não resistia àquele olhar.


Ela não só sabia, como tinha certeza. Ele era uma espécie de arquiteto da própria liberdade, um anjo errante, mudando sua teia do destino a cada passo dado. Ela tinha medo de o acompanhar. Tinha medo de estar ao lado dele quando aquele olhar calmo virasse erupção. Tinha medo e era por isso que ainda não estavam juntos...porque ela ainda podia, e o ignorava.


Ele bebeu de sua vodka, e sentiu o estômago dar uma volta. Notou, olhando nos olhos dela, que ela compreendia toda sua essência. Compreendia, mas não entendia. Tudo o que queria naquele momento era levantar-se da cadeira, imaginar não ter ninguém mais naquele restaurante, e beijá-la. Era o que queria, porém, seu bom senso dizia para ter cautela. Fazia tempo que não se viam, e não era por conta daquele sentimento antigo que ele deixaria-se levar, fazendo talvez uma besteira. Um perfeito cavalheiro.



Ela, que não tinha obrigação nenhuma de ser "cavalheira", não era aspirante a poeta, não dava a mínima para quem estava ao redor e não costumava seguir seu bom senso; levantou-se da cadeira, puxou o rosto dele mais para perto, e fez acontecer.





Thuan B. Carvalho

17 de jan. de 2010

Ponto (final) de Vista.



A pés descalços e passos firmes, esperando sinceramente que o nascer do sol fizesse renascer, rumou para a areia da praia, bem ali onde a espuma das ondas calmas tocasse seus pés, e sentou-se a esperar.


Um fino traço anil cobria o horizonte, sinal de que em pouco tempo o espetáculo do dia-a-dia iria começar. Notou que estava sozinho na praia àquela hora, e sorriu ao perceber que tudo parecia se encaixar.


Enquanto olhava distraído, uma das mãos traçava involutariamente um desenho na areia. Foi quando parou, e reparou. Notou que o desenho não era um coração, nem continha iniciais, como ocorria sempre. Percebeu então que seu subconsciente, que vinha usando de trapaças para confrontar o consciente, havia finalmente cedido.


Levantou-se de sobressalto, correu o mais rápido que pôde, e mergulhou no mar. Saiu da água sentindo-se o primeiro na Terra e o último em Plutão, enquanto o sol nascia em ritmo acelerado, iluminando suas costas sorridentes e salgadas. Nem se deu ao trabalho de olhar para trás.




No entardecer, numa conversa informal com a Lua durante a troca de turnos, o Sol então comentou:


- Demorei para sair da cama, tive que nascer com pressa, e quase perdi o renascer de um ser. Pelo menos deu pra pegar o finalzinho, quando ele já subia, imponente e radiante, por aquela camada de areia. Foi lindo.





Thuan B. Carvalho

13 de jan. de 2010

Inter-rompido






Duas horas da manhã. Terça-feira. Suor. Chinelo, pijama, e óculos. Abre a janela do seu quarto e o que vê são as mesmas ruas de sempre, porém diferentes. A madrugada muda as coisas. No banheiro, faz a barba. Um pequeno corte na curva onde se acentua seu sorriso, por descuido das mãos sonolentas, faz escorrer um filete de um líquido vermelho-acinzentado. Não, não era sangue o que escorria; era sentimento. Não doía!




Deixou o relógio e o celular em casa. Queria o tempo a seu bel prazer. Levou apenas pensamentos, e a chave de casa. (Isso são horas?)...




A rua estava deserta. Será que tinha movimento no deserto, naquela hora?. Tropeçou no desnível da calçada enquanto ria da própria piada. Os postes de luz iam se inclinando enquanto ele passava, sem perceber que estava sendo observado. A brisa aconchegante da madrugada era concreta, tão visível. Por onde andava, deixava respingos de sanguentimento, que escorriam de sua ferida mal estocada.




Quando chegou no lugar para onde tinha ído, parou. Parou e sentiu o mundo parar, deixando os batimentos de seu coração ditarem o ritmo da dança. Dançou o tum tum - tum tum mais estranho de sua vida, mas era acompanhado de perto pela natureza ao seu redor. O silêncio da madrugada deixava o coração conversar com as árvores. No momento, o coração dele cantava, e elas eram movidas


de um lado



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~para o outro



~~~de um lado



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~para o outro.




Seus olhos bohêmios avistaram um bar. O corpo parecia em comunicação própria. Movimentos involuntários. Ele se sentiu livre. Não tinha que coordenar, era como um expectador. Espectro de sua biologia. Podia ver cada tendão conversar com os ossos, que convencidos, rumaram para o estabelecimento. Sentou-se. Bebeu. Sem tempo, hora, sem o próprio corpo, sem sentir os efeitos, olhando a coordenação ficar mais lenta com o passar dos copos..


- Garçom, a conta por favor?


Leu "uma desilusão", escrito em letra miúda, e com erro de ortografia. Então percebeu que enquanto bebia, o garçom tomava. E tomou conta de sua vida. Deixou sua desilusão por conta da casa, pediu uma dose de rumo, e tomou com limão e sal. Tomou seu rumo amargo, vendo a mente tentar, com toda a calma, refazer o caminho de volta para casa.




Notou, enquanto voltava, que onde antes havia um pingo vermelho-acinzentado, agora havia flores. Flores as mais lindas, flores as mais diversas. Seu sentimento fazia brotar flores do asfalto. Aquilho lhe pegou de sobressalto. Apressou o passo para casa. A cada passo, uma luz a menos. Os postes foram seguindo seus batimentos.




Subiu as escadas. Escuro total. Voltou ao banheiro. Na pia, um canteiro. Rosas, margaridas; bromélias - as preferidas! Olhou o fino corte. Atento. Finalmente enxergou a beleza em seu sentimento. Tentou parar a ferida. Em vão. AONDE VÃO?


Levou o dedo ao líquido. Líquido à boca. Era...Doce? Já não tinha mais sentimento. Era só sangue. Talvez antes fosse. Mas agora não adiantava. Tentou chorar. Mas não era leite o derramado.


Via, ainda de fora do próprio corpo, o coração bater. Batia agora em vão. Oco. De tum tum foi a toc toc, mas não tinha ninguém usando. Só conseguiu imaginar o que sentiria sem seus sentimentos, porque como não os tinha, não sentia. Era vago, abstrato, normal, mais um.






Acordou. Suor. Seria a única semelhança? Um sonho tão real. Suas veias pulsavam trágicas demais para quem apenas dormia. Correu ao espelho do banheiro. Não, não havia corte. Exultou. Sentiu. Era dada uma segunda chance. Agarrou-a tão forte que a fez sangrar.




Mas o que sua chance sangrava não era sentimento, era o passado.








Thuan B. Carvalho

Essa Ausência tão Presença.





A primavera passa por meus pés da mesma forma como as pétalas das flores atravessam meu corpo, rodopiando pela calçada pouco iluminada naquele dia agradável de outubro. O sol nascendo mais tarde indica que o verão logo se aproxima, mas meu corpo acredita ser inverno faz uma semana, devido à debilidade com que tenho conseguido expressar meus sentimentos; ah! Como é sutil e devastadora a força de um amor - incompreendido. Há exatamente uma semana, eu rompia os laços que tanto me aqueceram durante certo tempo, e tornava rouca minha voz interior, fazendo visível meu estado espiritual mesmo não querendo expressá-lo. A senhora que passou por mim pela praça da cidade analisou fundo minh'alma e eu pude ver em seus olhos que eu era hoje o rascunho de outrora, que o brilho nos olhos fora substituído por uma amargura que cantarolava sobre a minha face, amargura essa que representava nada menos do que uma escolha, um caminho. Os pássaros cantavam tímidos, as flores tornavam-se mais claras na medida em que eu as transpassava, talvez querendo emitir uma mensagem, mas quem era eu naquele momento para entender uma mensagem da natureza? O senhor que tocava mecanicamente o sino de seu carrinho de picolés lembrava-me de que nosso presente é fruto de uma escolha do passado, e pensar no passado fazia meu corpo parecer de outro, quando tive que escorar no tronco de um coqueiro para me encontrar em mim mesmo, sem êxito. Os pensamentos fluíam em minha mente, e cada volta ao rosto dela tornava mais difícil minha permanência – em corpo – naquela praça, pois meu eu em alma já havia me abandonado sem escrúpulos ao presenciar um fato que, para quaisquer efeitos, culminara nesse meu estado de miséria interior e incredulidade futura.





Inconscientemente, retirei as chaves do carro guardadas no bolso traseiro, e risquei duas letras no tecido lenhoso do tronco da árvore, enquanto me perguntava – aqui conscientemente – por que desenvolvera a mania de seguir caminhos pouco trilhados. As ervas - daninhas que se evidenciavam num pé de laranja ao longe me fizeram voltar à realidade, e lembraram-me mais uma vez do que eu tinha sido a vida toda: um parasita. Eu tinha pleno conhecimento das capacidades dela, e sufocá-la e não deixar o mundo presenciar tamanhas qualidades seria uma afronta a tudo o que penso, logo, não pude deixar que o egoísmo, um mal trovado de Platão a Drummond, fizesse dela uma escrava de mim. Sim, é realmente um caminho por onde poucos trilhariam, mas foi assim que minha vida passou a fazer sentido, e é dessa forma que carregarei meu caixão: na lama ou num chão em brasa. O amor sobrevive quando os corpos se separam, e eu deixo as lágrimas correrem meu rosto para não afogarem minha amada, que permanece em meu interior: se não o todo, boa parte de mim. O sal que me toca os lábios agora é mais doce do que o sal de outrora, e o sol que me ilumina nesse momento não me cega os olhos, mas inunda minha vida inteira.





Permito-me uma última olhada ao redor, nos setenta por cento de ferro nos bancos e estátuas das praças, nos noventa por cento de flores nos canteiros e nos sessenta por cento de ferro nos corações que querem florescer e não conseguem, e nesse momento, quando tudo já fez sentido, minha cabeça pende para o lado naquele banco onde ontem alguém provavelmente jurou amor, ou fingiu jurar. Uma borboleta tímida desce das alturas para me fazer companhia enquanto em meus sonhos, onde a razão jamais derrotou o sentimento, esqueço tudo o que fez sentido em meu pensamento último e entrego-me nos braços de minha amada.







Thuan B. Carvalho







Bom, esse é mais um da série "textos que escrevi um dia". Esse eu escrevi em resposta à ANNA, amiga muito estimada, e de ótima escrita. Li uma resenha dela, e criei o par de sua personagem.

9 de jan. de 2010

A arte de Ser.




É exatamente aquela velha rotina


do homem que precisa de moldura;


Traçou o seu destino – triste sina! -


sem saber que a liberdade cura.





De suas mãos atadas escorre o reflexo


do que outro ser vivente fora outrora;


Talvez em sua cabeça fizesse nexo


trocar a vida já vivida pelo agora.





Já não marcavam o caminho suas passadas,


largas eram tanta pressa de chegar;


Pois quem anda sobre milhares de pegadas


não haverá de novamente a terra marcar


- nem na lua reparar!




Isso explica, naturalmente, minha essência


disparate integral do homem-quadro;


A magia que me atrai é sapiência


não fazendo da rotina o meu fardo.





Quando a vida se transmuta em bifurcação


não sou do tipo que diante para e pensa;


Irracional, sigo o caminho do coração


e é isso o que faz toda a diferença.




Porém, o que me intriga me interessa

e quando escrevo sempre altero meu sabor,


Para sofrer de amor morro de pressa



tu mesmo que me acompanhas, viste…

O otimismo, que me foge ao sol se pôr,


não me faz pessimista; me faz triste.





Thuan B. Carvalho