19 de mai. de 2010

afinal; Sonhalidade.


O baque fez ensurdecer, e depois nada.

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Ele se encontrava no paraíso, os braços dados com sua amada. Um campo aberto, com apenas duas árvores. Uma cadeira de balanço. Uma montanha. O mar. E pássaros cantando. Ali realmente era o paraíso.

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Acordou numa cama de hospital, tubos enfiados nos dois braços, um aparelho respiratório preso à cabeça, e duas pessoas chorando ao redor.

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Um segundo e tinha voltado ao paraíso. Levantava-se devagar de um tombo, e caminhava com a mulher até o topo da montanha. Riam juntos, conversavam alegremente. Comiam um pedaço de pizza enquanto caminhavam. A vista era perfeita. O calor do momento satisfazia sem se fazer sentir. Não era preciso estar ali para estar bem.

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E de repente, voltou àquela cama dura do hospital. O remédio que lhe aplicaram fazia um efeito bom, e ele começava a se sentir bem. Mas as pessoas ainda choravam; por quê? Fechou os olhos novamente e...

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...encontrava-se no paraíso. Subindo a montanha. Sua amada ali. Foi então que achou que entendeu. O paraíso era um sonho, e ele deveria estar realmente mal para ter apenas lapsos. E, se melhorava um pouco, e as pessoas ainda choravam, seu estado deveria ser mesmo grave. Lembrava-se de uma pancada como última lembrança. Será que era isso? Recebeu um beijo tenro da mulher, e abraçou-a fortemente. Ela olhou, sem entender, aquele abraço que mais parecia um adeus. Ela notava que os pensamentos dele ora iam, ora vinham. Ele parecia num estado de transe pelo tropeço que levara ao subir a montanha.

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Abriu os olhos com o médico entrando na sala, com uma cara triste e o coração partido. A cara de um médico que sabe ser inevitável, mas não consegue aceitar.

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Piscou os olhos, paraíso.

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Piscou novamente, hospital. Flores na mesa de cabeceira, uma jarra de água, e tristeza quase concreta. Era a composição daquela sala fria e modorrenta. Mas e aquele paraíso?

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Então se encontrou no topo da montanha, a mulher sorrindo para ele, e os filhos. OS FILHOS. Subindo atrás. Nem se lembrava que tinha filhos. Era realmente bom demais para ser verdade. Levou a mão na cabeça, e encontrou uma enorme marca de pancada. A mulher trazia um saco com gelos na mão, e levava-o à testa dele de vez em quando. Um filete de sangue escorria tímido de sua testa.

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E então hospital novamente. E dor. Não queria mais aquilo!

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Resolveu, já de volta ao paraíso, experimentar uma sensação nova. Afinal, era um sonho. O paraíso, na verdade, não existia. Beijou o casal de filhos, beijou a mulher intensamente, e sem dizer nada correu e pulou. Pulou do alto da montanha. Ouvia os gritos desesperados da mulher, que se agarrava aos filhos no cume da montanha, sentindo que se afastava cada vez mais, e mais rapidamente.

...

Era estranho, mas sentia como se fosse real o frio na barriga, enquanto despencava montanha abaixo.

...

E não sonhou mais com o hospital.





Thuan B. Carvalho

17 de mai. de 2010

Verdades sobre o Verão


I - A palavra verão faz fazer calor.


II - O verão não consegue agradar todo mundo. Se faz calor, reclamam; se faz chover, reclamam. Eu se fosse o verão, chovia calor.


III - Eu não vejo muita poesia no verão.



Thuan B. Carvalho

Verdades sobre a Primavera


I - AS FLORES DESABROCHAM O ANO TODO!


II - Sou cada cor da primavera, cada cheiro, cada tom. Não sou ação, não tenho forma e nem tampouco sou palavra... Hoje rosa, amanhã bromélia. Ontem sequei, amanhã ressuscito. Você tem que ter fôlego para acompanhar o que me torno a cada instante.


III - Abelha, borboleta e beija-flor pensam que me enganam, mas sei que vieram dessa “era”.


IV - Em meu íntimo paraíso infinito imaginário é primavera, mas as rosas não têm espinhos.


V - Quem ama não escolhe, colhe.



Thuan B. Carvalho

Verdades sobre o Inverno


I - Com você meu inverno é parecido com o de um chuveiro elétrico.


II - Inverno e seu sorriso; primavera.


III - Você me olha assim e sorri, sem saber que torce o “v” em “f”.


IV - Realmente sentes frio? Experimenta não ter agasalho, não ter a capacidade de sentir. O que sentes não é frio, é mimo!


V - Eu não acredito nas estações do ano, nem nas horas do dia. Nada é exato; se de manhã anoiteço e colho flores do deserto.



Thuan B. Carvalho

Verdades sobre o Outono


I - Dizem que as folhas só caem no outono, e ninguém sabe que as árvores caem o ano todo.


II - Pisei naquela folha seca, e o barulho me lembrou pizza torrada.


III - É das carecas que ele gosta mais.


IV - Adoro começar textos no outono. As folhas esvoaçando ao vento são tão poéticas que me fazem esquecer o quão raras são essas ocasiões.


V - É sempre outono no coração de quem não acredita.



Thuan B. Carvalho

14 de mai. de 2010

Nostalgia


Até hoje de manhã, eu realmente desconfiava das coisas. Desconfiava porque é da minha natureza desconfiar. Como é também da natureza do homem comprovar, testar, aprovar, afirmar! Tudo tem que ser certeza. E a certeza doeu amarelo-doença nos olhos, e ardeu cinza-chumbo no estômago. É a dor da nostalgia, a certeza de que não volta mais, a vontade de um dia-a-dia que simplesmente já se fora, de uma intensidade que infelizmente foi-se bruma, sombra de árvore em dia nublado. Sentado no banco daquela praça foi que eu acreditei nas coisas. E as coisas mudam.


Quem pediu bancos novos, chão pintado, canteiros sintéticos, ferros novos, luzes potentes, postes pintados; simetria exata de uma solidão moderna?

Quem encomendou esse futuro sem sorrisos, sem pés descalços e sangrentos, sem pipas, sem peões, sem futebol, sem terra, sem poeira, sem sujeira; assimetria inexata de uma coletividade ultrapassada?


Nunca imaginei que fosse dessa maneira. Em meus sonhos infantis, pensava em minha vida exatamente como está hoje, porém, achava que viriam outras crianças para assumirem o meu lugar subindo na árvore mais alta da praça. Ou na casinha de madeira. Ou na cabeça daquela estátua. Ou no alto do poste. Terrível engano. O poste é hoje perigoso para se subir, a estátua não existe mais, a casa de madeira é só um esboço do que outrora fora, e as poucas árvores estão lá, solitárias, olhando as poucas crianças que as deixam de lado para passarem, desatentas, distraídas demais com seu brinquedo eletrônico.


Porém, o que vejo agora é o pesadelo do que não vejo; e meu delírio é tentar achar um motivo, uma saída plausível para aquela destruição que se tornara factualmente normal. Tento de todas as formas achar normal a ausência de mim, de meu eu passado ali, não representado por uma alma sequer. As respostas não vem, e a falta delas traz uma vontade rouca de gritar, de culpar alguém; sobe de minha garganta o veneno mais mortal...


... e escorre pelos bueiros com o mar de meus olhos, levando consigo as cores vivas de um pretérito mais que perfeito; mas que jamais se conjugará no futuro.



Thuan B. Carvalho