9 de fev. de 2010

Quotidiano V - Seriedade para Poucos





















Na cobertura do prédio, bebiam e faziam acontecer. Estavam bebendo há seis horas, um grupo de dez pessoas, cinco casais; todos amigos de faculdade fazia dois anos. O céu enluarado estava digno de um quadro no hall de entrada.

Ele rumou para a varanda, seguido de dois amigos e três amigas. Quando se debruçava no parapeito a fim de sentir o ar limpo dos lugares mais altos, sentiu o cheiro que lhe desagradava em maior proporção. Principalmente por se tratar de amigos seus. Cheiro de fumaça de cigarro.

Olhou com desdém para seus amigos, desafiando-lhes a oferecer. Quatro dos quais entenderam o olhar ácido, mas a garota, talvez pelo elevado nível de álcool no sangue, estendeu-lhe a mão com o objeto.


- ah, vamos lá. Só uma vez não vai fazer mal para você. É sério.

- Meu pulmão vai muito bem, obrigado.

- Deixe de ser careta. Uma vez só, poxa. Como você vai saber que é ruim sendo que nunca provou? E outra, eu não sou viciada. Paro quando quiser.
Ele não pôde deixar de sorrir. Estava ouvindo aquilo fazia dois anos, desde quando ela entrou na faculdade e começou a fumar. Antes realmente não era viciada.




- Tudo bem, passe para cá.
Pegou o cigarro das mãos dela, e jogou do último andar do prédio. Ela olhou surpreendida, e disparou.


- Você é maluco? Isso custa DINHEIRO! Putz, não esperava isso de você.. Não mesmo. Sua criança.



Era a hora.


- Ah, não esperava isso de mim? Então finalmente temos algo em comum. Eu não esperava que você fosse me oferecer algo que me fizesse mal, algo em que eu poderia ficar viciado, algo que você compra e usa SABENDO QUE FAZ MAL.
Dizendo isso, pegou a caixa das mãos dela, que estava prestes a acender outro, e virou. Na parte de trás, o retrato de um câncer provocado pela ingestão de cigarro. E fechou a cara. Olhava para a garota com o mais sério dos olhares, passando a imagem de alguém ofendido e enraivecido.

Ela enfim se tocou, e olhou para os dois lados, ruborizada.


- É que eu... Desculpe-me.


E não fumou mais, naquele dia.



Thuan B. Carvalho

Um comentário:

  1. "E não fumou mais, naquele dia."

    A consciência efêmera talvez seja o mais conveniente para que se alcance o êxito nas relações sociais.

    A consciência plena é uma seriedade para poucos que nem sempre compensa, mas acredito verdadeiramente que deve valer a pena!

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