15 de fev. de 2010

Help me.


Pensou ser uma maldição ser o único sobrevivente daquele naufrágio. Flutuou por um dia inteiro sobre uma das peças do navio até que, já desacordado, bateu numa ilha inóspita; totalmente selvagem. Bebeu da água dos cocos, comeu das frutas das árvores; satisfez-se. Mesmo depois de um ano passado, ele ainda via, invariavelmente, helicópteros de salvamento rondando aquela área, talvez procurando por sobreviventes do tal naufrágio. Sem pestanejar, escondia-se o máximo que podia, desarmava sua pequena cabana feita para se proteger dos temporais, e aguardava, até que o monstro aéreo fosse embora. E foi assim por um bom tempo.



-----------x------------------x------------------x----------------x-------------

No litoral brasileiro, a criança nadava eufórica, jogando seu pequeno corpo contra a espuma das ondas. Foi numa dessas que ela sentiu algo sólido bater em sua coxa esquerda, e se perder na espuma. Ligeira como só uma criança curiosa pode ser, enfiou a mão e pegou a garrafa causadora do choque. Olhou atentamente, e correu até a beira, onde o pai vigilante observava-a.


- papai, olha só o que eu achei. Tem um papel aqui. - disse ela, totalmente excitada pela nova aventura iminente.

- deixa o papai ver... - e pegou a garrafa das mãos da filha, abrindo-a com certa dificuldade, e extraindo o papel velho e amassado.

- e então pai, o que diz? - a curiosidade não cabia naquele corpo esguio.

- er... não é nada. Nada mesmo. Está em outra língua. Veja só aquela onda!


E a filha correu, excitada por mais uma aventura no dia, que era voltar a chocar-se contra as ondas. A aventura anterior da garrafa secreta lançada ao mar por piratas já fora apagada de sua mente.



Enquanto isso, seu pai sentou-se na areia e refletiu sobre aquele papel agora em seu bolso.



Uma frase bem formada, em letra de fôrma: DEIXEM-ME EM PAZ!




Thuan B. Carvalho




Só para pontuar, eu prefiro deixar com a mágica da imaginação a maneira como o náufrago conseguiu uma garrafa, caneta e papel. Porém, se quiser uma alternativa real, pode começar a pensar em onde pode chegar o lixo com o qual você polui os rios e o mar.

3 comentários:

  1. Ótima sacada! Uma criticidade ácida que ainda assim permite que saiamos do chão.
    Acredito ser essa a forma mais eficaz de expor verdades duras de maneira polida. Esse é um dom de poucos! Dom de falar sem ferir. Dom de chocar sem deixar de fazer sorrir. Dom que incita refletir sem que para isso precise de repelir.

    aplausos ao lirismo crítico do "poeta-amigo"!

    ResponderExcluir
  2. Thuan, pelo amor de deus, o texto estava incrível até você tentar se explicar! Espero que leve essa crítica na boa, mas... Nem tudo tem explicação, e até você colocar em cheque a tua própria escolha de dar uma garrafa ao naúfrago, eu não tinha nem cogitado as praticidades mundanas de como ele teria conseguido papel, etc... Entende o que eu quero dizer? Fora isso, muuuuito bom o texto.

    Beijos!

    ResponderExcluir
  3. Ótimo texto. Análise sólida de como nosso mundo contemporâneo pode ser perturbador =)

    ResponderExcluir