5 de fev. de 2010

Fatalmente Amor.






Viviam bem, obrigado. Pareciam feitos um para o outro: almas que se separaram na maternidade, ou qualquer outra coincidência trovada por Cazuza. Completavam-se tanto que às vezes ela se pegava encarando o espelho, de tanto que o via em si. Amor de verdade.

Moravam numa casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada! Sonharam viver num lugar aberto, para fazer livre o amor até fisicamente, quando trançavam pelos corredores sentindo a luz do sol, a brisa da noite, ou os respingos de chuva. A liberdade transcrevia-se ali.


Porém, (já reparou em como tudo tem um porém?) fez-se sólida a máxima de que o amor é mortal, posto que é chama. Ela quis seguir sua vida, lançar a âncora em outras ilhas, içar velas e zarpar. Ele, o último dos românticos, jamais aceitaria ter que deixar ir a menina de seus olhos. Sua vida. Sua luz.


O que ele não entendia é que a estava sufocando com amor. É, isso mesmo. O lado possessivo do amor, aquele lado com o qual ninguém faz poesia. Era tanto amor, tanto viver, tanto tempo passado juntos, que ela queria ver a si mesma no espelho, e às vezes só conseguia vê-lo. Não se encontrava mais no corpo que vestia! E isso incomoda qualquer ser alado, qualquer humano que sonha, que precisa respirar, que não sobreviveria sem poder voar.


E ele não entendia, ou não queria entender. Só fazia amar mais, até ver que não conseguiria. E trancou sua amada no quarto onde tanto foram livres. Fechou as janelas com amor, enquanto cadeava a porta com mágoa. Sabia que só fazia adiar a partida, pois se a mulher que tinha a sua frente era a mulher que conhecera, não seria aquilo que a seguraria.


- Infelizmente, terei que partir. Queria que você aceitasse, e me deixasse ir como alguém que passou por sua vida, regou seu jardim, mas que agora parte para regar outros.

- Mas como vou viver? Quem vai regar o meu jardim? Isso é UMA LOUCURA!

- É, e exatamente por isso que eu estou partindo. Você se esqueceu das loucuras DE AMOR. Só faz me sufocar, não percebe que eu quero sentir saudades? Não vê que eu queria receber uma carta sua de muito longe, para querer te ver não mais que de repente?

- ... Já sei! Vou buscar um jantar romântico, alugar um filme romântico, e nós veremos com muito amor!


E quando voltou, ela não estava mais lá. Como poderia, se a chave de sua mágoa ainda estava consigo? Vasculhou em sua casa de amor pela amada, mas só o que encontrou foi o silêncio. Foi então que entendeu. Voltou ao quarto, e olhou para o alto. Viu um ponto negro se afastando no céu, bem longe.


Na ignorância de seu amor sufocante, esqueceu-se de que enquanto a razão caminha pelos corredores, o coração possui asas.



Thuan B. Carvalho

Um comentário:

  1. Magnífico!!
    Desde os intertextos ao desfecho semântico! Simplesmente adorável!
    Chega a ser impressionante a impossibilidade de ler esses textos pela metade. A cada linha uma nova ânsia surge. É verdadeiramente incrível! Um encanto! ^^

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