13 de jan. de 2010

Inter-rompido






Duas horas da manhã. Terça-feira. Suor. Chinelo, pijama, e óculos. Abre a janela do seu quarto e o que vê são as mesmas ruas de sempre, porém diferentes. A madrugada muda as coisas. No banheiro, faz a barba. Um pequeno corte na curva onde se acentua seu sorriso, por descuido das mãos sonolentas, faz escorrer um filete de um líquido vermelho-acinzentado. Não, não era sangue o que escorria; era sentimento. Não doía!




Deixou o relógio e o celular em casa. Queria o tempo a seu bel prazer. Levou apenas pensamentos, e a chave de casa. (Isso são horas?)...




A rua estava deserta. Será que tinha movimento no deserto, naquela hora?. Tropeçou no desnível da calçada enquanto ria da própria piada. Os postes de luz iam se inclinando enquanto ele passava, sem perceber que estava sendo observado. A brisa aconchegante da madrugada era concreta, tão visível. Por onde andava, deixava respingos de sanguentimento, que escorriam de sua ferida mal estocada.




Quando chegou no lugar para onde tinha ído, parou. Parou e sentiu o mundo parar, deixando os batimentos de seu coração ditarem o ritmo da dança. Dançou o tum tum - tum tum mais estranho de sua vida, mas era acompanhado de perto pela natureza ao seu redor. O silêncio da madrugada deixava o coração conversar com as árvores. No momento, o coração dele cantava, e elas eram movidas


de um lado



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~para o outro



~~~de um lado



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~para o outro.




Seus olhos bohêmios avistaram um bar. O corpo parecia em comunicação própria. Movimentos involuntários. Ele se sentiu livre. Não tinha que coordenar, era como um expectador. Espectro de sua biologia. Podia ver cada tendão conversar com os ossos, que convencidos, rumaram para o estabelecimento. Sentou-se. Bebeu. Sem tempo, hora, sem o próprio corpo, sem sentir os efeitos, olhando a coordenação ficar mais lenta com o passar dos copos..


- Garçom, a conta por favor?


Leu "uma desilusão", escrito em letra miúda, e com erro de ortografia. Então percebeu que enquanto bebia, o garçom tomava. E tomou conta de sua vida. Deixou sua desilusão por conta da casa, pediu uma dose de rumo, e tomou com limão e sal. Tomou seu rumo amargo, vendo a mente tentar, com toda a calma, refazer o caminho de volta para casa.




Notou, enquanto voltava, que onde antes havia um pingo vermelho-acinzentado, agora havia flores. Flores as mais lindas, flores as mais diversas. Seu sentimento fazia brotar flores do asfalto. Aquilho lhe pegou de sobressalto. Apressou o passo para casa. A cada passo, uma luz a menos. Os postes foram seguindo seus batimentos.




Subiu as escadas. Escuro total. Voltou ao banheiro. Na pia, um canteiro. Rosas, margaridas; bromélias - as preferidas! Olhou o fino corte. Atento. Finalmente enxergou a beleza em seu sentimento. Tentou parar a ferida. Em vão. AONDE VÃO?


Levou o dedo ao líquido. Líquido à boca. Era...Doce? Já não tinha mais sentimento. Era só sangue. Talvez antes fosse. Mas agora não adiantava. Tentou chorar. Mas não era leite o derramado.


Via, ainda de fora do próprio corpo, o coração bater. Batia agora em vão. Oco. De tum tum foi a toc toc, mas não tinha ninguém usando. Só conseguiu imaginar o que sentiria sem seus sentimentos, porque como não os tinha, não sentia. Era vago, abstrato, normal, mais um.






Acordou. Suor. Seria a única semelhança? Um sonho tão real. Suas veias pulsavam trágicas demais para quem apenas dormia. Correu ao espelho do banheiro. Não, não havia corte. Exultou. Sentiu. Era dada uma segunda chance. Agarrou-a tão forte que a fez sangrar.




Mas o que sua chance sangrava não era sentimento, era o passado.








Thuan B. Carvalho

2 comentários:

  1. nossa, gostei mesmo do seu blog tb viu? o meu tá moh abandonado, mais um dia eu volto a escrever... beijo.

    ResponderExcluir
  2. Hey Thuan! Obrigada pelo comment lá no bolinha... Gostei muito dos seus textos, continue escrevendo! Vamos trocando as palavras... =D

    ResponderExcluir