13 de jan. de 2010

Essa Ausência tão Presença.





A primavera passa por meus pés da mesma forma como as pétalas das flores atravessam meu corpo, rodopiando pela calçada pouco iluminada naquele dia agradável de outubro. O sol nascendo mais tarde indica que o verão logo se aproxima, mas meu corpo acredita ser inverno faz uma semana, devido à debilidade com que tenho conseguido expressar meus sentimentos; ah! Como é sutil e devastadora a força de um amor - incompreendido. Há exatamente uma semana, eu rompia os laços que tanto me aqueceram durante certo tempo, e tornava rouca minha voz interior, fazendo visível meu estado espiritual mesmo não querendo expressá-lo. A senhora que passou por mim pela praça da cidade analisou fundo minh'alma e eu pude ver em seus olhos que eu era hoje o rascunho de outrora, que o brilho nos olhos fora substituído por uma amargura que cantarolava sobre a minha face, amargura essa que representava nada menos do que uma escolha, um caminho. Os pássaros cantavam tímidos, as flores tornavam-se mais claras na medida em que eu as transpassava, talvez querendo emitir uma mensagem, mas quem era eu naquele momento para entender uma mensagem da natureza? O senhor que tocava mecanicamente o sino de seu carrinho de picolés lembrava-me de que nosso presente é fruto de uma escolha do passado, e pensar no passado fazia meu corpo parecer de outro, quando tive que escorar no tronco de um coqueiro para me encontrar em mim mesmo, sem êxito. Os pensamentos fluíam em minha mente, e cada volta ao rosto dela tornava mais difícil minha permanência – em corpo – naquela praça, pois meu eu em alma já havia me abandonado sem escrúpulos ao presenciar um fato que, para quaisquer efeitos, culminara nesse meu estado de miséria interior e incredulidade futura.





Inconscientemente, retirei as chaves do carro guardadas no bolso traseiro, e risquei duas letras no tecido lenhoso do tronco da árvore, enquanto me perguntava – aqui conscientemente – por que desenvolvera a mania de seguir caminhos pouco trilhados. As ervas - daninhas que se evidenciavam num pé de laranja ao longe me fizeram voltar à realidade, e lembraram-me mais uma vez do que eu tinha sido a vida toda: um parasita. Eu tinha pleno conhecimento das capacidades dela, e sufocá-la e não deixar o mundo presenciar tamanhas qualidades seria uma afronta a tudo o que penso, logo, não pude deixar que o egoísmo, um mal trovado de Platão a Drummond, fizesse dela uma escrava de mim. Sim, é realmente um caminho por onde poucos trilhariam, mas foi assim que minha vida passou a fazer sentido, e é dessa forma que carregarei meu caixão: na lama ou num chão em brasa. O amor sobrevive quando os corpos se separam, e eu deixo as lágrimas correrem meu rosto para não afogarem minha amada, que permanece em meu interior: se não o todo, boa parte de mim. O sal que me toca os lábios agora é mais doce do que o sal de outrora, e o sol que me ilumina nesse momento não me cega os olhos, mas inunda minha vida inteira.





Permito-me uma última olhada ao redor, nos setenta por cento de ferro nos bancos e estátuas das praças, nos noventa por cento de flores nos canteiros e nos sessenta por cento de ferro nos corações que querem florescer e não conseguem, e nesse momento, quando tudo já fez sentido, minha cabeça pende para o lado naquele banco onde ontem alguém provavelmente jurou amor, ou fingiu jurar. Uma borboleta tímida desce das alturas para me fazer companhia enquanto em meus sonhos, onde a razão jamais derrotou o sentimento, esqueço tudo o que fez sentido em meu pensamento último e entrego-me nos braços de minha amada.







Thuan B. Carvalho







Bom, esse é mais um da série "textos que escrevi um dia". Esse eu escrevi em resposta à ANNA, amiga muito estimada, e de ótima escrita. Li uma resenha dela, e criei o par de sua personagem.

Um comentário:

  1. Hehe! É impressionante como seu estilo se assemelha ao dos consagrados escritores estadunidenses! A narrativa detalhada, cinematográfica e levemente arrastada! Desenvolva esse estilo meu amigo! Porque você já o domina de uma maneira encantadora!

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