17 de jan. de 2011

A Sina de George


George era covarde, e foi por isso que não conseguiu se suicidar.


O suicídio, em si, é o maior ato de covardia praticado por um ser humano, que simplesmente desiste, entrega os pontos, corta o fio da vida, extingue a chama de seu corpo - que nasceu para nunca se extinguir. Suicidar-se representa o fim crucial, o pedido de arrego, a cartada final de quem não consegue mais virar o jogo, o grito de covardia, a perda de uma chance.


Em pé sobre a cadeira de mogno em seu quarto, a corda fortemente enrolada sobre o pescoço, o rosto marcado por uma vida que não merecia ter sido recebida, ele olhava o retrato de seu avô a sua frente. Seu avô que lutara a guerra, que voltara sem uma perna, que vivera sete anos numa cadeira de rodas, mas que nem por isso tinha deitado sua alma no caixão do suicídio.


Suicidar-se, no entanto, em detrimento de ser um ato covarde, exigia coragem. E se o ato é o maior de covardia que pode ser praticado, a coragem exigida para a consumação é, concomitantemente, a maior. Puxar o gatilho, cortar o pulso, pular do prédio, chutar a cadeira, não importa. Qualquer desses atos exige o máximo de coragem existente no coração do ser.


E ali permaneceu George por extensas vinte horas, até que cortou a corda que envolvia seu pescoço, desceu calmamente de seu mortuário, e seguiu para fora de sua casa, sem ter coragem para sequer olhar no espelho e encarar a face debochada de seu outro lado, que zombava de seu ato covarde.


Caminhou pela praça procurando o sentido de sua vida, e não sentiu quando ele passou em forma de mulher ao seu lado, derrubando um lenço pardo que ele sequer teve a decência de pegar. Pensava agora em como conseguiria se suicidar, sem precisar ser corajoso.


Passaria todos os dias por Rita, filha do dono do mercado, sem reparar que sua alma trazia consigo o encaixe perfeito para a alma da moça.


E tentaria suicídio no outro dia, e no outro, e no outro, sem sucesso; porque jamais seria corajoso o bastante para executar um ato tão covarde.


Tratava-se, pois, da Sina de George, que não findaria nunca sua procura vazia, sua procura desnorteada, sua procura que, no fim das contas, tornara-se vã; já que por não saber o que procurava, jamais perceberia quando houvesse encontrado.



Thuan B. de Carvalho

2 comentários:

  1. Muito bom o texto Thuan.
    Por mais "fácil" que seja desistir, é muito difícil conseguir tomar tamanha covardia e egoísmo.

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  2. Muito bom o seu texto Thuan, havia tempos que não visitava o seu blog. Não me leve a mal, mas a sua prosa melhorou consideravelmente! Seus textos estão mais naturais e o seu estilo estpa cada vez mais inconfundível! Meus parabéns!
    Sobre o texto, gostei do paradoxo principal, ótima sacada. A minha concepção do suicídio é bem diferente, mas apreciei o texto mesmo assim!
    Grande abraço

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