5 de jul. de 2010

Ruthina


E assim como em todos os finais de semana dos últimos quatro meses, Ruth saia de seu “ponto” e dobrava a esquina. Suas sandálias de salto alto fazendo um “toc toc” tão rápido quanto a vontade de que ninguém a notasse. A meia fina acompanhava toda a perna bem delineada, até onde a saia jeans (extremamente) curta conseguia tampar, não deixando muita coisa para a imaginação de quem fixasse o olhar na garota por alguns segundos. A barriga toda de fora, uma mini-blusa branca e o sutiã preto aparecendo no decote completavam o traje noturno da garota, além dos brincos, anéis e pulseiras. Os poucos carros que passavam por ela não poupavam buzinadas e gritos pouco honrosos, dos quais ela preferia não se lembrar.

Ruth deixou-se guiar, até que seus pés pararam diante de um pequeno portão de grades cinza-descascado, e tocou a campainha. A vizinha da esquerda, novamente, reparou na garota e fez um comentário maldoso com a cunhada, que tomava café em sua casa naquele dia. “é a terceira vez que vejo essa menina tocando na casa do Oswaldo. Desde que ele perdeu o emprego começou a beber e só quer saber da boa vida. Coitada da garota, tão nova, veja só que mundo cruel.” E apesar do comentário cheio de princípios morais e respeito, continuou a levar seu chá à boca, como se aquele mundo cruel fosse culpa de qualquer pessoa ali por perto, menos dela.

A garota esperou impacientemente, até que uma voz rouca soasse da casa velha, mandando que “o inconveniente” entrasse, se fosse algo importante. “Estou MUITO OCUPADO”, berrou ele. “Entre se for importante; se não for, pode dar meia-volta e desaparecer junto com sua inconveniência.” Ruth destrancou o portão enferrujado com dificuldades, e pôs-se a subir as escadas. Já sabia o caminho, por isso nem acendeu as luzes, indo diretamente ao quarto. Oswaldo estava deitado em sua cama de madeira velha, no quarto extremamente mal iluminado, acompanhado por dois maços de cigarro e uma garrafa de cachaça. Aquele quarto era a personificação da morte. Janelas e cortinas fechadas; lençóis sujos; a televisão ligada; a parede, outrora branca, já meio amarelada e expressando claros vazamentos internos; o pequeno jarro de flor, que era a única coisa que poderia dar um pouco de contorno vivo ao ambiente, estava no chão, entornado, dando lugar à garrafa de cachaça e ao controle remoto na mesinha de cabeceira.

Ela entrou, e viu a sombra de reconhecimento nos olhos fundos e opacos do homem. Ele perscrutou-a, de cima a baixo, dando um meio-sorriso amarelo de desaprovação. “Espero que dessa vez seja mais do que estou esperando, menina. Ande, venha logo.” E ela foi. Entrou no quarto, chegou perto da mesa de cabeceira, colocou o envelope que trazia nas mãos, e olhou para o homem deitado como se a vida pudesse ter sido diferente, como se pudesse ter sido mais generosa. Antes de concretizar aquele ato obsceno, ela permitiu-se duvidar de deus. Aquilo se tornara corriqueiro nos últimos meses, e continuaria por toda sua vida, pois nem mesmo um milagre tiraria aquele senhor da labuta.

E não tinha mais para onde correr. O ato teria que ser feito. E ela fez. Distorceu a realidade de qualquer mundo que se diga normal, contrariou qualquer expectativa de qualquer pessoa que acompanhasse a cena por fora, fez qualquer um repensar sobre o que pensa da vida, qualquer um se comparar à vizinha que criticou acidamente a atitude de Ruth sem nem saber do que se tratava, passando para o “próximo” qualquer tipo de problema que possa ser imaginado e que sirva de comentário na mesa do almoço. Praticando tudo isso num milésimo de segundo, Ruth esperou que a lágrima rolasse seu rosto e se despediu com a frase mais obscena do que teria sido qualquer ato que ela praticasse ali, com aquele homem:

“cuide-se, pai.”



- Thuan B. Carvalho

Um comentário:

  1. Era aqui que eu queria ter comentado, hehehe! Muito bom esse texto, incrível! Parabéns!!!

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