
Pensou ser uma maldição ser o único sobrevivente daquele naufrágio. Flutuou por um dia inteiro sobre uma das peças do navio até que, já desacordado, bateu numa ilha inóspita; totalmente selvagem. Bebeu da água dos cocos, comeu das frutas das árvores; satisfez-se. Mesmo depois de um ano passado, ele ainda via, invariavelmente, helicópteros de salvamento rondando aquela área, talvez procurando por sobreviventes do tal naufrágio. Sem pestanejar, escondia-se o máximo que podia, desarmava sua pequena cabana feita para se proteger dos temporais, e aguardava, até que o monstro aéreo fosse embora. E foi assim por um bom tempo.
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No litoral brasileiro, a criança nadava eufórica, jogando seu pequeno corpo contra a espuma das ondas. Foi numa dessas que ela sentiu algo sólido bater em sua coxa esquerda, e se perder na espuma. Ligeira como só uma criança curiosa pode ser, enfiou a mão e pegou a garrafa causadora do choque. Olhou atentamente, e correu até a beira, onde o pai vigilante observava-a.
- papai, olha só o que eu achei. Tem um papel aqui. - disse ela, totalmente excitada pela nova aventura iminente.
- deixa o papai ver... - e pegou a garrafa das mãos da filha, abrindo-a com certa dificuldade, e extraindo o papel velho e amassado.
- e então pai, o que diz? - a curiosidade não cabia naquele corpo esguio.
- er... não é nada. Nada mesmo. Está em outra língua. Veja só aquela onda!
E a filha correu, excitada por mais uma aventura no dia, que era voltar a chocar-se contra as ondas. A aventura anterior da garrafa secreta lançada ao mar por piratas já fora apagada de sua mente.
Enquanto isso, seu pai sentou-se na areia e refletiu sobre aquele papel agora em seu bolso.
Uma frase bem formada, em letra de fôrma: DEIXEM-ME EM PAZ!
Thuan B. Carvalho
Só para pontuar, eu prefiro deixar com a mágica da imaginação a maneira como o náufrago conseguiu uma garrafa, caneta e papel. Porém, se quiser uma alternativa real, pode começar a pensar em onde pode chegar o lixo com o qual você polui os rios e o mar.